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Se na sua vida você usa ou já usou uma rede social, certamente cruzou com a legenda de um vídeo ou com o texto de um post contendo palavras conhecidas escritas com caracteres estranhos.

O emprego de “$exø” no lugar de “Sexo” ou de “P1r0c4” no lugar de “Piroca” está longe de ser um erro de digitação. Eles são exemplos de truques vastamente utilizados por usuários de redes sociais para que uma determinada postagem escape do crivo da moderação de conteúdo e não seja classificada como de teor sexual ou impróprio.

Essa moderação tem sua primeira etapa realizada de forma automatizada, com a ajuda de inteligência artificial, para selecionar os conteúdos considerados problemáticos e que por isso deverão ter seu alcance e disseminação reduzidos na plataforma.

A escolha dos conteúdos que devem ser boicotados no algoritmo de distribuição (em teoria) segue os Padrões da Comunidade determinados por cada uma das plataformas. Uma espécie de estatuto que determina o que pode e o que não pode circular naquele ambiente virtual.

Entre os temas normalmente banidos pelos Padrões da Comunidade existe uma grande lista que vai desde os unânimes, como os conteúdos que promovem a pedofilia, o racismo ou os que ensinam a fazer bombas caseiras, até aqueles no mínimo contestáveis, o que em geral provoca revolta entre os usuários autuados da rede.

Eu mesmo, por exemplo, fui surpreendido há um mês com a notificação de que tinha violado os Padrões da Comunidade e tive um post removido por conta de “Nudez e Sexo Explícito”. Nele havia a capa de um conhecido disco de música popular brasileira em que se via, entre outras coisas, uma mulher com os seios a mostra. “Se a prática voltar a se repetir, sua conta será excluída definitivamente”.

Se peito é pornografia ou não é, ou se falar a palavra “sexo” num vídeo vai ou não vai prejudicar o desenvolvimento da juventude, digo que essas são discussões longas, complexas e não me interessam aqui.

Mas me interessa o relato de criadores de conteúdo educativo de qualidade na temática do HIV/Aids, de que precisam encontrar alternativas para os termos “HIV” e “Aids”, já que eles também estão provocando limitação do engajamento pelas plataformas.

Tal relato é preocupante pois as redes sociais já se tornaram uma das principais fontes de conhecimento e informação para grande parte da população brasileira, especialmente entre os mais jovens. Assim, a moderação deste tipo de conteúdo poderia agir como barreira de acesso a uma educação valiosa em saúde.

Até consigo imaginar que, no contexto de discursos sorofóbicos de ódio e de agressão às pessoas que vivem com HIV, a restrição imposta às postagens com esses termos seria bem-vinda, mas não me parece ser esse o caso.

Concordo que as palavras têm poder e que o tema HIV/Aids deve ser abordado com especial atenção para reduzir o risco de se transmitir uma mensagem equivocada a partir de uma ideia bem-intencionada. Para isso sempre recomendo a consulta ao Guia de Terminologia do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (UNAIDS) para entender, por exemplo, porque é melhor usar “Pessoa que vive com HIV” no lugar de “Soropositivo”.

No entanto, acho que a restrição de conteúdos contendo termos como “HIV” ou “Aids” nas redes sociais não só não funciona para evitar os equívocos de informação, como promovem a perigosa desinformação podendo trazer prejuízo à saúde da população.

O efetivo enfrentamento da epidemia de HIV no Brasil e no mundo depende de uma comunicação compreensível, corajosa e que se aproxime dos indivíduos vulneráveis e de suas realidades, e não de uma linguagem clandestina e codificada.

Por fim, acredito que em 2023 é simplesmente impossível informar e educar em redes sociais sobre a prevenção e o tratamento do HIV e de outras infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) sem que seja permitido usar termos como “HIV” e “Sexo”.

Deixando a comunicação humana nas mãos de uma moderação artificial e não inteligente, logo só pøderemo$ en$1n4r e aprender 4$$im.

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