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O acaso definitivamente não poderia ter sido mais acertado no simbolismo. Exatamente na mesma semana em que será celebrada a 27ª Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, a maior e mais antiga do país, e a primeira que escolheu a epidemia de HIV/Aids como tema, a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) dá o primeiro passo para a modernização da prevenção do HIV do Brasil.

Depois de uma longa espera, a agência brasileira responsável pela pela regulação dos medicamentos aprovou o registro do antirretroviral Cabotegravir para uso como Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP) de longa duração.

Diferentemente da PrEP clássica em comprimidos, já recomendada pelo Ministério da Saúde e em implementação no país desde 2018, a nova PrEP é feita com injeções intramusculares do antirretroviral aplicadas no glúteo a cada 2 meses.

Os estudos que avaliaram sua eficácia e segurança demonstraram que, tanto para homens cisgênero gays e mulheres transexuais quanto para mulheres cisgênero heterossexuais, a PrEP injetável conseguiu proteger de forma excelente seus usuários de uma infecção por HIV e até se mostrou superior na prevenção quando comparada com a PrEP feita com comprimidos tomados diariamente.

Parte dessa superioridade pode ser explicada pelo fato de que com injeções bimestrais há menor dependência do comprometimento do usuário com a adesão ao medicamento para se garantir o nível de antirretroviral necessário em seu corpo para impedir uma infecção. Assim, a PrEP injetável de longa duração pode ser uma boa alternativa de método adicional de prevenção para pessoas que não se adaptam ao uso de preservativos nas relações sexuais e nem à tomada de comprimidos.

Até hoje a PrEP injetável com Cabotegravir só tinha sido aprovada e disponibilizada nos Estados Unidos, Austrália e em alguns países da África Subsaariana, como Zimbábue e África do Sul. No Brasil apenas algumas centenas de pessoas já tinham acesso às injeções por meio de projetos de pesquisa, ensaios clínicos e estudos de implementação.

É importante ressaltar que a aprovação do registro do Cabotegravir não significa que a PrEP injetável automaticamente já estará disponível no Sistema Único de Saúde (SUS), como já está a PrEP em comprimidos. No entanto, ela é o primeiro e um dos mais importantes passos no processo de incorporação de uma nova tecnologia ao sistema público de saúde. A partir de agora, se inicia a fase de definição e negociação de preço do medicamento, e de avaliação pelo Ministério da Saúde da viabilidade dessa incorporação.

Devemos ficar atentos aos próximos passos desse processo pois, em uma das etapas dessa avaliação, será aberta a consulta pública para que os cidadãos e organizações manifestem sua opinião sobre a inclusão ou não da PrEP injetável como política pública no Brasil. Uma vez que participação popular é um dos princípios do SUS, as contribuições coletadas nessa fase costumam ser levadas a serio e em consideração.

Por outro lado, com o registro aprovado pela ANVISA, já será possível comprar ou importar o medicamento no mercado privado. Não há ainda definição de preços, mas sabemos que a depender do valor das injeções, o acesso à PrEP injetável pode essa via pode se tornar bastante restrito no país.

Outra boa notícia é que na bula aprovada pela ANVISA, a PrEP injetável foi liberada para uso por indivíduos com mais de 35 quilos de peso, permitindo assim o uso desse método de prevenção também por adolescentes. Nesse grupo populacional sabemos que existe no Brasil, além de uma tendência de aumento dos novos casos de infecção por HIV na última década, também baixa adesão aos comprimidos prescritos da PrEP oral.

Nessa Parada do Orgulho LGBT, vamos comemorar o início de mais um ciclo de modernização da prevenção do HIV no Brasil. Com a chegada da PrEP injetável de longa duração vai ficar cada vez mais fácil encontrar um método de prevenção eficaz contra o HIV que se encaixe no estilo de vida de todas as pessoas. E assim, não deixando para o acaso a prevenção do HIV, estaremos cada vez mais próximos do controle da sua epidemia.

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