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No Brasil, o receio de eventuais efeitos colaterais é nitidamente uma das principais barreiras para o início da PrEP (Profilaxia Pré-Exposição ao HIV), método de prevenção que consiste no uso de medicamentos antirretrovirais por pessoas que não vivem com esse vírus.

Na edição de dezembro de 2022 da renomada revista científica britânica Journal of Antimicrobial Chemotherapy foram publicados os resultados de um estudo francês que traz bons argumentos para se afirmar que ter medo da PrEP é um equívoco.

Parte desse medo existe porque a PrEP utiliza um medicamento chamado Fumarato de Tenofovir Disoproxil (TDF), já usado há mais de 20 anos no tratamento de pacientes com HIV e Hepatite B. As décadas de experiência nos ensinaram que parte dos usuários do TDF pode com o tempo desenvolver alterações na função renal e nos seus ossos.

No entanto, diferentemente do que propagam alguns desinformados nas redes sociais, esses efeitos colaterais são raros, ocorrendo em menos de 1% dos usuários jovens e saudáveis de PrEP, são reversíveis com a descontinuação dos comprimidos e não “sobrecarregam o fígado”.

Sabemos também que a ocorrência desses efeitos colaterais é determinada por características genéticas do indivíduo, por sua idade, com maior incidência entre pessoas mais velhas, e pela função renal basal antes do início da PrEP.

O estudo francês, recentemente publicado, é importante pois acrescenta ao conhecimento científico atual mais um fator que influencia no impacto de PrEP no corpo humano: a forma como os comprimidos são tomados.


No estudo em questão, cerca de 1.200 homens gays parisienses foram acompanhados entre 2017 e 2020, recebendo comprimidos de PrEP para, com autonomia, decidirem se os tomariam diariamente ou no esquema da PrEP Sob Demanda, antes e depois de cada relação sexual. Durante todo o seguimento, era permitido também migrar livremente de um esquema posológico para o outro conforme achassem conveniente.

Os resultados mostraram que dependendo da posologia de PrEP utilizada, o potencial impacto na função renal variou de forma estatisticamente significativa.

Os usuários que usaram a PrEP Sob Demanda por mais de 75% do tempo e aqueles que alternaram entre as duas formas de PrEP tiveram menor acometimento renal do que os que usaram a PrEP diária em mais de 75% do período de acompanhamento.

A interpretação disso é a de que quanto menos TDF for tomado, menor será o potencial efeito sobre os rins.

Essa informação é de fundamental importância pois poderá ser levada em conta na equação de escolha do tipo de PrEP a ser usada. Por exemplo, indivíduos com maior propensão a desenvolver em suas vidas problemas renais, como os mais velhos ou os que já apresentam alguma perda de função dos rins, poderão ficar mais tranquilos utilizando a PrEP Sob Demanda.

Antes que alguém entre em pânico com a possibilidade da PrEP lhe provocar efeitos colaterais, preciso lembrá-los de que mesmo para a PrEP diária estamos falando de um risco insignificante, em que menos de 1% dos usuários pode desenvolver alguma alteração renal mais séria.

De qualquer forma, ainda que menos de 1% seja pouco, se essa porcentagem for aplicada a um número muito grande de usuários de PrEP, pode representar um número não ignorável. Assim, qualquer pessoa que opte por iniciar o uso da PrEP, diária ou Sob Demanda, deve sempre ter um acompanhamento com rastreamento laboratorial periódico da função renal.

Em resumo, em termos de efeitos colaterais, o uso da PrEP em comprimidos tomados diariamente é bastante seguro, mas a PrEP sob demanda é ainda mais.

Não tenha medo da PrEP. A ciência já demonstrou que, com o acompanhamento adequado, nenhum efeito colateral grave ou irreversível acontecerá devido ao seu uso. Tenha medo do que é inventado, pois o mundo das mentiras pode causar muito mais pânico e sofrimento do que o TDF.

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