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Desde que o primeiro estudo de Profilaxia Pré-Exposição (PrEP), aquele método de prevenção do HIV por meio da tomada de comprimidos de antirretrovirais, começou a ser desenvolvido em 2007, a pergunta mais frequente que me fazem é “Mas e as outras Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs)?”

A preocupação não é descabida. Na última década, mesmo antes da chegada da PrEP, o Brasil e o mundo já vinham observando o aumento nas taxas de incidência de casos das ISTs bacterianas, tais como Sífilis, Clamídia e Gonorreia.

A desinibição de comportamentos sexuais de maior vulnerabilidade para a transmissão dessas ISTs motivada pelo uso de um comprimido que só protege contra o HIV, nesse contexto poderia ser um verdadeiro tiro pela culatra nas políticas públicas de prevenção.

Até agora, dentro da abordagem da prevenção combinada, havia disponível para a prevenção das ISTs bacterianas apenas o uso do preservativo nas relações sexuais e a rotina de rastreamento e tratamento dessas ISTs, quando diagnosticadas.

Foi nesse cenário que, desde 2017, pesquisadores começaram a investigar se a tomada de comprimidos de antibióticos poderia também ser uma forma de prevenção de ISTs bacterianas, assim como a PrEP com antirretrovirais é para o HIV.

O antibiótico escolhido foi a Doxiciclina, uma tetraciclina lançada em 1960 que já foi bastante usada no passado e ainda é apenas em determinados países, mas que ultimamente no Brasil foi deixada de lado para dar lugar a antibióticos mais modernos e potentes.

A preocupação com o eventual desenvolvimento de resistência bacteriana pelo seu uso não é grande. Inclusive a Doxiciclina já foi amplamente utilizada na dermatologia por longos períodos para o controle de acne e já é usada em todo o mundo na forma de profilaxia para doenças como Leptospirose, Malária e Doença de Lyme.

Três estudos científicos cujos resultados foram divulgados nos últimos anos testaram a Doxiciclina em populações altamente vulneráveis a ISTs bacterianas. Ela foi usada como Profilaxia Pós-Exposição (DoxiPEP), com a tomada de 2 comprimidos do antibiótico até 72 horas depois das relações sexuais, mas idealmente dentro das primeiras 24 horas.

No primeiro estudo, conduzido na França e chamado Ipergay, o grupo de participantes que tomou a DoxiPEP teve 73% menos casos de Sífilis e 70% menos casos de Clamídia.

No segundo, conduzido nos Estados Unidos e chamado DoxyPEP, o uso da Doxiciclina esteve associado a uma redução ainda maior nos casos de Clamídia (88%) e Sífilis (87%), e também à redução de 55% nos casos de Gonorreia.

E no último estudo, também francês e chamado DoxyVAC, apresentado em fevereiro de 2023 na Conferência Mundial de HIV, a DoxiPEP conseguiu reduzir em 89% os casos de Clamídia, em 79% os casos de Sífilis, em 51% os casos de Gonorreia e em 45% os casos de Mycoplasma genitalium.

Nos dois últimos estudos citados, os dados de resistência bacteriana coletados não identificaram que a DoxiPEP induziu a seleção de bactérias resistentes entre as ISTs, tampouco na flora bacteriana dos participantes. Entretanto, o número de indivíduos avaliados e o tempo de acompanhamento podem ter sido pequenos demais para se encontrar esse que seria o temido desfecho negativo da DoxiPEP.

Com esse robusto arsenal de evidências científicas produzido em tão pouco tempo, não restam mais dúvidas de que a DoxiPEP é um método potente e eficaz de prevenção contra ISTs bacterianas. Agora, passamos então da fase de investigação da eficácia para a de avaliação da implementação, em que o objetivo não é mais descobrir se o método funciona, mas para quem devemos indicar.

Estarmos prontos para incorporar novas tecnologias é tão importante quanto saber utilizá-las da melhor forma possível conforme forem surgindo. Por isso, o momento ainda não é de iniciar o uso maciço da DoxiPEP até que as dúvidas sobre a resistência bacteriana sejam respondidas.

Novos estudos encontram-se em desenvolvimento para responder a essas lacunas de conhecimento. Até lá, lembremos que o controle das ISTs não pode provocar problemas em outras áreas da saúde, como a piora do cenário de resistência bacteriana aos antibióticos. Por isso, qualquer uso indiscriminado e irracional de antibióticos deve ser evitado.

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