Em minhas aulas, costumo dizer que ninguém precisa ser criativo nem desesperado pois existem poucas formas de uma pessoa se infectar com o HIV. As únicas três vias de transmissão são a sexual, a materno-infantil e a parenteral.
Na gaveta do parenteral, que as pessoas nem sempre conseguem imaginar de cara do que se trata, tradicionalmente cito como exemplo a transmissão do HIV por meio do compartilhamento de seringas de drogas injetáveis, de tatuagens e piercings, ou da transfusão de sangue e hemoderivados.
Mas faço sempre questão de enfatizar que os casos de transmissão parenteral do HIV são raros e evitáveis desde que adotadas as medidas de controle de transmissão e seguidas as normas de biossegurança, tais como uso de seringas, agulhas e tintas de uso único e descartáveis.
Depois de um boletim divulgado pelo Centro de Controle de Doenças (CDC) dos EUA na semana passada, terei que incluir um item na lista de exemplos de transmissão parenteral: os procedimentos estéticos.
No documento são detalhados todos os passos de uma extensa e minuciosa investigação que se iniciou em 2018 no estado do Novo México depois que uma mulher que não havia tido nenhuma das exposições conhecidas com risco de transmissão do HIV recebeu esse diagnóstico dessa infecção. A única situação diferente relatada por ela tinha sido um procedimento estético.
Até o momento, nenhum caso do tipo tinha sido registrado, no entanto na investigação divulgada foram encontrados além dessa mulher outras clientes da mesma clínica de estética que também se infectaram por essa via com vírus HIV idênticos geneticamente.
Quando visitada pelos epidemiologistas do CDC, foi descoberto que a clínica estética suspeita sequer tinha licença para funcionar e foram encontradas evidências do não cumprimento das medidas de controle de transmissão nem das normas de biossegurança, como a reutilização de agulhas e a não identificação de tubos de sangue.
Todas as clientes da clínica infectadas com HIV tinham sido submetidas a um mesmo procedimento chamado microagulhamento com plasma rico em plaquetas, em que o sangue do próprio cliente é injetado com agulhas em sua pele para estimular nela a produção de colágeno. Dessa forma, fica fácil entender que a simples troca de agulhas ou de tubos de sangue pode ter provocado o surto de casos de HIV.
Ainda que perfeitamente plausível essa via de transmissão, já que a exposição se assemelha à de tatuagens, até o momento a atenção às normas de biossegurança em procedimentos estéticos parecia não ser levada a sério. No entanto, o caso ilustra a importância do assunto e da fiscalização que deve haver por parte da vigilância sanitária e de clientes.
Questionado sobre o caso, o dermatologista Thiago Cunha (@drthiagocunhadermato) de São Paulo disse:
“Sobre esse risco de contaminação em procedimento estético, é muito importante a escolha do local e do profissional como forma de prevenção. Conhecer os registros junto aos órgãos de fiscalização tanto da clínica quanto dos profissionais por exemplo. Especificamente sobre o microagulhamento tradicional e robótico associado ou não ao plasma rico em plaquetas (vampire lifting), é fundamental informar que esses dispositivos são de uso individual e intransferível, e já vêm esterilizados de fábrica. Sua reutilização é totalmente proibida pois há contato com sangue e fluidos corporais durante o tratamento, com risco de contaminação e até mesmo infecções como a citada pelo artigo. Da mesma forma, a coleta de sangue deve seguir os protocolos de segurança vigentes. Não se arrisquem em procedimentos estéticos feitos de forma inadequada.”
O fato não significa, no entanto, que os procedimentos estéticos são perigosos, mas que o mesmo nível de alerta que já estamos acostumados a ter quando vamos fazer uma tatuagem tem que estar na cabeça de quem vai fazer a aplicação de botox.
O documento do CDC também chama a atenção para a existências de clínicas de estética que funcionam sem licença e, portanto, nem mesmo podem ser fiscalizadas.
Assim, não abra mão da sua saúde em troca da beleza e exija das clínicas e profissionais a licença de funcionamento e a capacitação para a realização dos procedimentos propostos.
*Texto originalmente postado na seção VivaBem do UOL.