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No início de 2023, completaram-se 5 anos da implementação da Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP) no sistema público de saúde brasileiro. Motivos para comemorar não nos faltam, no entanto, a reflexão crítica da experiência acumulada até aqui será fundamental para que os próximos passos do programa sejam ainda mais certeiros.

Segundo dados oficiais, até 31 de dezembro de 2022, pouco menos de 90.000 pessoas tinham iniciado o uso de PrEP em todo o país. Esse número impressiona e coloca o Brasil na liderança em oferta dessa estratégia de prevenção dentro da América Latina. Mas, quando comparado com os campeões mundiais, África do Sul (570.000) e Estados Unidos (360.000), é fácil perceber que talvez já estejamos ficando para trás.

Desde o seu princípio, o PrEP SUS, como o projeto é chamado no Ministério da Saúde, apresenta uma evidente heterogeneidade regional em sua distribuição. O estado de São Paulo se mantém em primeiro lugar desde a largada, sendo responsável por quase 40.000 inícios de PrEP. No segundo colocado, o estado do Rio de Janeiro, 8.302 pessoas iniciaram o uso de PrEP.

Sendo São Paulo o estado mais populoso do país, já era de se esperar que nele teríamos o maior número de usuários da profilaxia. No entanto, não podemos deixar de parabenizar por esse sucesso os gestores paulistas de saúde e o imenso empenho que tiveram no processo expansão dos serviços que fazem o atendimento de PrEP no estado ao longo desses 5 anos.

Tamanho esforço não foi em vão. Na capital, onde se concentram quase 70% dos usuários de PrEP do estado de São Paulo, apesar do aumento progressivo no número de testes rápidos para HIV realizados anualmente, mesmo durante a pandemia de Covid-19, foi verificada nos últimos anos uma redução de cerca de 40% na taxa de detecção de novos casos de infecção por HIV.

Se por um lado nos trazem alegrias, os números do levantamento dos primeiros 5 anos do PrEP SUS também nos alertam para problemas que precisam ser corrigidos.

O primeiro que cito se refere ao perfil dos usuários que estão acessando a PrEP no país. Apesar de termos a incidência de infecção por HIV crescendo de forma mais acelerada entre jovens com menos de 25 anos, 64% dos usuários do PrEP SUS têm mais de 30 anos de idade.

Da mesma forma, os brancos e os indivíduos com nível superior de escolaridade completo, 57% e 72% dos usuários, respectivamente, são os que mais têm buscado PrEP pelo SUS.

Não pretendo com esse apontamento sugerir que brancos, estudados e mais velhos não deveriam estar acessando a PrEP gratuitamente, mas que as populações mais vulnerabilizadas à epidemia brasileira de HIV/Aids na atualidade ainda são as que menos se beneficiam dessa nova tecnologia de prevenção. Tais números, portanto, apenas escancaram uma histórica desigualdade de acesso à saúde no Brasil.

Um outro aspecto que chama atenção no levantamento é o fato de que cerca de 46% das pessoas que iniciaram a PrEP ao longo desses 5 anos já abandonaram o acompanhamento oferecido pelo programa.

O uso da PrEP como estratégia de prevenção do HIV de fato é resultado de uma escolha pessoal. Da mesma forma, se alguém entender que o seu uso já não faz mais sentido no contexto da sua vida, é perfeitamente compreensível e permitido que os comprimidos sejam interrompidos.

O que não sabemos, entretanto, é a proporção dos abandonos que ocorreram entre pessoas que não deveriam ter parado a PrEP, mas devido a obstáculos para os atendimentos nos serviços de saúde, medo ou desinformação, acabaram perdendo o seguimento e a oportunidade de se manterem em suas vidas livres de uma infecção por HIV.

Se desejamos que em todo o Brasil se reproduza a queda nos novos casos de HIV/Aids visualizada em São Paulo, precisamos olhar com carinho e atenção para esses números, resolver as desigualdades de acesso à saúde e de uma vez por todas encerrar o apagão de 4 anos no diálogo e nas campanhas de testagem e prevenção no país.

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