Já imaginou se existisse uma vacina com 100% de eficácia contra o câncer? Ela já existe. Foi isso que demonstraram os resultados de um estudo publicado na última semana na importante revista científica Journal of the National Cancer Institute.
O trabalho avaliou o impacto da vacinação contra o HPV na incidência de câncer de colo de útero entre mulheres cisgênero, usando como comparativo as mulheres não vacinadas.
Para fazer essa análise, os pesquisadores da Universidade de Edimburgo, na Escócia, utilizaram os bancos de dados do ministério da saúde daquele país, que acumulam registros individuais de toda a população sobre doses aplicadas de cada vacina, frequência do rastreamento do câncer de colo do útero e diagnóstico de cânceres incidentes ao longo da vida.
Dessa forma, esse foi o primeiro estudo populacional a avaliar o impacto da política pública de vacinação contra HPV na redução da incidência de câncer de colo de útero de um país.
Foram incluídas no estudo 447.955 mulheres cisgênero que tinham os registros completos no banco de dados escocês. Os pesquisadores avaliaram o tipo e o número de doses aplicadas da vacina, a idade em que cada uma delas foi administrada e a incidência de câncer de colo do útero.
Os resultados foram surpreendentes. Não foi identificado absolutamente nenhum caso de câncer de colo do útero em mulheres vacinadas seguindo as recomendações do programa nacional de imunização, ou seja, entre 12 e 13 anos de idade.
Na Escócia, assim como no Brasil, a vacina de HPV é recomendada para meninos e meninas que ainda não iniciaram a sua vida sexual, uma vez que ensaios clínicos anteriores já haviam demonstrado que é nessa população que a imunização provoca a maior proteção contra verrugas genitais e cânceres decorrentes da infecção pelo HPV.
Os resultados do estudo escocês são a primeira evidência populacional e de vida real de que a vacinação contra HPV pode erradicar o câncer de colo de útero em um país, uma vez que praticamente todos esses cânceres são causados pelo HPV.
Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), o câncer de colo de útero atualmente é o quarto tipo de neoplasia mais frequente entre mulheres cisgênero em todo o mundo. Quando diagnosticado e tratado precocemente, pode ser curado. No entanto, sem rastreamento adequado pode com facilidade levar uma mulher à morte.
Na América Latina e Caribe, esse câncer é uma das principais causas de morte entre mulheres cisgênero. No Brasil, mais de 6.000 mulheres morrem todos os anos em decorrência desse câncer.
Nesse mesmo Brasil, a vacinação contra HPV é recomendada desde 2014 e aplicada gratuitamente pelo SUS (Sistema Único de Saúde) para meninos e meninas de 9 a 14 anos. Apesar disso, segundo dados do Ministério da Saúde, a cobertura vacinal para HPV encontra-se em queda nos últimos anos.
Enquanto em 2019 a cobertura de pelo menos uma dose da vacina era de 87% entre meninas e de 61% entre meninos, em 2022 esses números caíram para 75% e 52%, respectivamente.
Uma das principais causas da não vacinação desses jovens é a resistência dos seus pais em dar para crianças uma vacina contra uma infecção sexualmente transmissível (IST). Eu mesmo já ouvi no consultório inúmeras vezes o argumento “Por que vou vacinar minha filha se ela nem transa ainda?”, quando na verdade é justamente pelo não início ainda da vida sexual que a vacina pode atingir nessa menina o máximo do seu potencial protetor.
Essa semana a Escócia mostrou ao mundo que a vacina contra HPV é mais que uma vacina contra uma IST. Ela é uma vacina extremamente eficaz contra um câncer ainda bastante devastador no Brasil e no resto do planeta.
Se os pais de jovens de 9 a 14 anos continuarem sendo ignorantes, o Brasil vai perder a oportunidade de ouro de erradicar a principal causa de morte de mulheres cisgênero de 30 a 59 anos.
*Texto originalmente postado na seção VivaBem do UOL.