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Quem acompanha essa coluna sabe o quanto eu insisto na importância do rastreamento das infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) mesmo entre as pessoas que não têm qualquer sintoma.

E não estou sozinho nesse coro. A OMS (Organização Mundial da Saúde) desde 2016 passou a recomendar o uso da nomenclatura IST no lugar de DST (Doença Sexualmente Transmissível) como forma de alertar para a possibilidade de um indivíduo se infectar em uma relação sexual e não “ficar doente”. Em outras palavras, permanecer assintomático, porém podendo transmitir a infecção.

Nos casos em que a IST provoca sintomas, o serviço de saúde normalmente é procurado para que seja feito o diagnóstico e o tratamento do agente infeccioso em questão. Por outro lado, sem sintomas, uma IST não é diagnosticada tampouco tratada. A não ser, é claro, que essa pessoa seja rastreada e tenha a IST diagnosticada por meio de um exame.

Paradoxalmente, gonorreia e clamídia, as ISTs causadas respectivamente pelas bactérias N. gonorrhoeae e C. trachomatis, são as mais frequentes em todo o mundo, mas as menos rastreadas.

Segundo dados da OMS, globalmente mais de 1 milhão de novos casos dessas ISTs são transmitidos todos os dias, sendo a maior parte deles assintomáticos e ocorrendo em países de renda média ou baixa. Em alguns casos, essas infecções não tratadas podem mais tarde causar danos irreversíveis à saúde como por exemplo a infertilidade.

O rastreamento de gonorreia e clamídia, por ser um exame de custo elevado, só é disponibilizado de maneira rotineira nos países ricos. Sabendo disso, me sinto obrigado a reescrever uma frase porque de paradoxal não tem nada: gonorreia e clamídia são as ISTs mais frequentes em países pobres porque são as menos rastreadas.

Nos últimos anos o Brasil esteve sempre na lista dos países que não ofereciam esse rastreamento em seu sistema público de saúde, mas agora isso vai mudar.

Depois de um estudo piloto que avaliou a implementação dos testes ao SUS (Sistema Único de Saúde) e do investimento de 3,3 milhões de reais, em 2023 foi criada de forma definitiva a Rede Nacional de Laboratórios de Biologia Molecular para Detecção de Clamídia e Gonococo.

Com o início de sua implementação em março de 2023, a rede de testagem já se encontra agora em funcionamento e vai ajudar tanto na investigação diagnóstica de indivíduos com ISTs sintomáticas quanto no rastreamento de assintomáticos.

Seguindo o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com ISTs do Ministério da Saúde, por enquanto os grupos prioritários para a testagem de gonorreia e clamídia por essa rede são os usuários das Profilaxias Pré e Pós-Exposição ao HIV (PrEP e PEP), as pessoas vivendo com HIV no momento do diagnóstico, as gestantes vulneráveis a ISTs e as pessoas que forem atendidas nos centros de referência locais em ISTs.

A iniciativa inédita do Ministério da Saúde brasileiro chega em boa hora, uma vez que globalmente a incidência de ISTs bacterianas não se encontra em queda. Além disso, a rede de testagem poderá trazer informações importantes sobre o perfil de resistência a antibióticos das bactérias brasileiras causadoras de ISTs, especialmente a gonorreia.

Segundo Angélica Espinosa Miranda, coordenadora-geral de ISTs do Departamento de HIV/Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e ISTs da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde, \”a implantação da rede nacional de clamídia e gonorreia é um importante passo para o diagnóstico precoce e o tratamento adequado dessas infecções. Possibilitar o acesso a esses testes no SUS ultrapassa obstáculos impostos pelos determinantes sociais às pessoas com maior vulnerabilidade às ISTs, como as pessoas vivendo com HIV, em uso de PrEP ou PEP, profissionais do sexo, entre outras\”.

Somente com investimento e tecnologia teremos mais chances de controlar as epidemias de ISTs que há séculos circulam entre os seres humanos.

Mais uma vez, Viva o SUS!

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