A epidemia de Gonorreia tem sido motivo de preocupação no Reino Unido. Em 2022 lá foram registrados mais de 80.000 novos casos dessa infecção sexualmente transmissível (IST), fazendo dela a segunda IST mais frequente, ficando atrás apenas da Clamídia.
A alta transmissibilidade da gonorreia fez com que os seus casos no Reino Unido venham em tendência de crescimento desde a virada do milênio. No entanto, após o término do confinamento imposto pela pandemia de Covid-19, as coisas pareceram sair do controle. Em 2022, houve o aumento de 50% no número de casos em comparação com o ano anterior.
No caso da gonorreia, diferentemente das outras ISTs bacterianas tais como clamídia ou Sífilis, existe uma preocupação adicional relacionada com o desenvolvimento de resistência aos antibióticos usados para seu tratamento. Dessa forma, ao longo das últimas décadas, diversos esquemas antibióticos foram abandonados porque os gonococos haviam se tornado resistentes a eles.
No Reino Unido, as únicas estratégias usadas para controle dos casos de gonorreia são o uso do preservativo nas relações sexuais, o rastreamento periódico de indivíduos assintomáticos com maior risco para essa infecção e o tratamento de todos os casos diagnosticados, tendo eles sintomas ou não.
Diante do evidente fracasso no controle dessa epidemia, na última semana um comitê assessor do Departamento de Saúde britânico composto de especialistas em doenças infecciosas fez uma sugestão inesperada. Recomendaram no país o início de uma campanha de vacinação contra meningite para se obter a redução dos casos de gonorreia.
A recomendação se embasa em uma série de estudos conduzidos a partir de 2004 com a vacina para o meningococo do subtipo B, demonstrando que surpreendentemente os indivíduos vacinados tinham menos infecções por gonorreia.
A proteção contra a gonorreia encontrada em estudos realizados na Nova Zelândia, Canadá, Austrália, Estados Unidos e Itália variou de 26 a 59%, tendeu a diminuir após alguns anos da vacinação e tem como hipótese de mecanismo de ação a semelhança existente entre as proteínas do meningococo do subtipo B e do gonococo (Neisseria meningitidis e Neisseria gonorrhoeae, respectivamente).
O inesperado da recomendação do comitê britânico está no fato de que ela se baseou apenas em resultados de estudos observacionais. A comunidade científica internacional aguarda ansiosamente pelos resultados de diversos ensaios clínicos randomizados que se encontram em andamento para comprovar ou não os achados dos estudos preliminares.
Segundo o comitê, a recomendação teve como respaldo uma avaliação de custo-efetividade que mostrou que mesmo com uma eficácia pequena na Prevenção contra a gonorreia, a redução nos casos da IST por meio da vacinação faria o Reino Unido economizar uma quantidade substancial de recursos públicos.
A recomendação do comitê foi a de vacinação da população masculina gay e bissexual por ser entre eles quase metade dos casos de gonorreia registrados anualmente. Mas inclui também qualquer pessoa sob risco aumentado para a IST. Nessa categoria são incluídos indivíduos com diagnóstico recente de uma IST bacteriana ou que relatam múltiplas parcerias sexuais.
Com a medida, o Reino Unido será o primeiro país do mundo a adotar a vacinação contra meningoB como política pública de controle da epidemia de gonorreia. A experiência de vida real britânica após a implementação somada aos resultados pendentes dos ensaios clínicos poderá subsidiar a expansão da medida para outros países do mundo.
No Brasil, infelizmente não temos nem mesmo dados sobre o número de casos de gonorreia registrados anualmente, uma vez que essa não é uma doença de notificação compulsória. Também não temos a vacina de meningoB disponível no SUS. Custando mais de 600 reais cada uma das duas doses do esquema, é de se imaginar que por enquanto poucas pessoas conseguirão tomá-la aqui.
Vamos então torcer para que a experiência britânica traga bons resultados para em seguida batalharmos pela ampliação do acesso a essa tecnologia.