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Há pouco mais de 10 anos, quando os ensaios clínicos ainda estavam avaliando se a Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP) era realmente eficaz, já encontrávamos opositores argumentando que “se as pessoas perderem o medo do HIV, vão todas transar sem camisinha”.

Essa argumentação sempre me causou incômodo pois, no meu entender, em nenhum contexto perder o medo do HIV seria algo ruim. Afinal, usar o medo como forma de convencimento para uma mudança de comportamento é sádico demais para ser defendido.

Homens gays e bissexuais nascem e crescem com o medo de se infectarem com HIV desde que esse vírus surgiu em nosso planeta. São eles também, em números absolutos, os que mais morreram até hoje em decorrência da Aids no Brasil. E para todos os que se infectaram nesse caminho, o que faltou foi prevenção, e não medo.

Por outro lado, consigo entender que em um mundo onde a camisinha reinou absolutista por décadas, qualquer novidade que questione sua posição e eficiência causará um incômodo inicial. Felizmente, a chegada da PrEP não causou o abandono do preservativo. Ao contrário, a associação dos dois métodos está revolucionando o controle do HIV ao redor do mundo.

Voltando ao medo do HIV, o seu estímulo não só não protege um indivíduo dessa infecção, como também impacta negativamente na qualidade da sua vida sexual. Se a sexualidade de uma pessoa deve idealmente ser fonte de boas experiências, o seu entendimento como causa de doença poderá tornar essa vida sexual em maior ou menor medida disfuncional.

Dessa forma, se uma abordagem de prevenção for capaz de, simultaneamente, eliminar esse componente negativo e ainda por cima proporcionar uma proteção robusta contra o HIV, tenha certeza de que ela terá um enorme potencial. A PrEP está conseguindo fazer isso.

É comum ouvir de usuários de PrEP o relato de que após o seu início sentem “menos paranoia” na hora e depois do sexo. Mas pela primeira vez um estudo científico se propôs a investigar esse fenômeno.

Em um artigo publicado na última semana no Jornal Internacional de ISTs e Aids, 221 homens gays e bissexuais que tinham iniciado recentemente o uso de PrEP foram entrevistados. Para eles, foram aplicados questionários de avaliação da qualidade da vida sexual e da ansiedade relacionada ao medo de se infectar por HIV, sempre buscando encontrar mudança desses aspectos motivadas pelo uso da profilaxia.

Para 42% dos entrevistados, a PrEP foi a responsável pela melhora da qualidade do sexo em domínios como excitação, ereção e orgasmo. E, para 54%, houve redução do medo da infecção por HIV, identificada por diminuição de pensamentos sobre o vírus durante ou depois da relação sexual.

Uma vida sexual de qualidade é um dos objetivos de saúde para a OMS (Organização Mundial da Saúde), tão importante quanto a prevenção do HIV e de outras ISTs. Ter a comprovação científica de algo que já era percebido empiricamente no acompanhamento de usuários de PrEP, é gratificante e mostra que estamos na direção certa.

Aos poucos, a ciência está conseguindo demonstrar que o impacto em saúde pública pode ser maior e melhor quando o foco é dado para a busca de saúde e não no medo da doença. Em outras palavras, é melhor para todos a mensagem “se engaje na prevenção para que sua vida seja melhor” do que “use camisinha para não pegar doença”.

Ainda que seja intuitivo, passamos as últimas décadas no caminho errado. Mas ainda dá tempo de mudar.

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