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Essa semana, com tristeza um paciente me contou que o diagnóstico de uma infecção sexualmente transmissível (IST) em sua parceira fez com que ela terminasse o recém começado relacionamento, que parecia, até então, ser um daqueles raros  e bons matchs da vida.

Além de também me deixar triste, o fato me pôs a refletir sobre o quanto a desinformação sobre esse assunto funciona como combustível para a disseminação dessas infecções ao redor do mundo.

Por coincidência, logo em seguida, tive acesso ao novíssimo Plano de Estratégias da OMS (Organização Mundial da Saúde) para o controle das epidemias de HIV, Hepatites Virais e ISTs no período de 2022 a 2030. E, acreditem, apesar de técnico, o documento conseguiu me acolher e tranquilizar.

Segundo os dados apresentados, anualmente são registrados globalmente em torno de 374 milhões de novas ISTs curáveis, o que engloba os casos de sífilis, gonorreia, clamídia e tricomoníase. Isso é o mesmo que dizer que ocorrem mais de 1 milhão de novos casos todos os dias.

A magnitude dessa incidência por si só deixa claro que o caminho até chegarmos ao controle dessas epidemias será longo e complexo.

A OMS alerta ainda para uma tendência de crescimento dos casos nas últimas décadas, especialmente nos países de menor renda e entre os grupos prioritários, como mulheres jovens, trabalhadores do sexo, usuários de drogas e homens gays e bissexuais.

Embora os números não sejam exatamente animadores, como são os da epidemia de HIV/Aids, para a OMS é perfeitamente possível reverter o cenário das outras ISTs e chegar a 2030 com menos de 150 milhões de casos ao ano. Mas isso requer empenho, planejamento e investimento.

O plano da OMS inclui uma longa lista de ações necessárias, e diferentemente do que imagina o senso comum, a recomendação do uso da camisinha é apenas uma delas entre mais de cem.

Em primeiro lugar, o documento ressalta a importância de termos serviços de prevenção e tratamento de ISTs, bem como as estratégias de saúde pública, todos centrados nos indivíduos mais vulneráveis. A participação das comunidades mais afetadas pode ajudar a entender as suas reais necessidades e seus contextos de vida sexual, o que é fundamental para obter seu bom engajamento a qualquer que intervenção.

Além de acolher, é preciso ensinar. É preciso desfazer uma série de conceitos equivocados sobre ISTs ainda presentes no imaginário. Deixar claro que ISTs não ocorrem com quem “fez o que não devia” nem tampouco devem ser encarados como “castigos” por isso.

É preciso ensinar que ISTs são intercorrências de saúde que fazem parte da vida de quem tem vida sexual ativa, da mesma forma que as quedas para quem anda de skate. É preciso eliminar a culpa e o julgamento moral quase sempre presentes quando esse é o tópico, agindo como obstáculos para a realização de um atendimento adequado e resolutivo.

ISTs são intercorrências que podem sim ser prevenidas de várias formas. Que podem ser rastreadas e curadas, e para o que existem vacinas. A prevenção de ISTs é hoje objeto de intensa pesquisa científica, que vem desenvolvendo métodos preventivos inovadores que poderão em breve revolucionar o controle dessas epidemias.

No entanto, enquanto o futuro não chega o documento da OMS também aponta para a urgência na ampliação do acesso à testagem para ISTs, tanto para rastreamento quanto para orientação de tratamento. A escassez de acesso aos testes nos países mais pobres faz com que inúmeras oportunidades de quebra da cadeia de transmissão de ISTs sejam perdidas e ainda por cima impulsiona a seleção de resistência bacteriana aos antibióticos.

Em resumo, a OMS chama atenção para o fato de que o que estávamos fazendo até agora para controlar a disseminação de ISTs, não funcionou como gostaríamos. Mas que com educação em saúde, acolhimento nos serviços e ampliação do acesso à testagem, ainda é possível virar o jogo.

Comece você essa virada buscando informações atualizadas sobre o tema, não se desespere quando se deparar com uma IST e jamais termine um namoro bom por causa disso.

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