Há 39 anos, em abril de 1985, aconteceu na cidade de Atlanta, nos EUA, a primeira Conferência Internacional de Aids. No decorrer dessas quatro décadas, aquele que seria apenas um primeiro encontro de cientistas interessados em entender melhor a recém declarada pandemia de HIV, se consolidou como o evento mais importante e respeitado sobre o tema.
Nas suas primeiras edições, a AIDS Conference aconteceu com periodicidade irregular, mas atualmente é realizada bianualmente, mobilizando em cada edição uma multidão de cientistas, ativistas e representantes de ONGs, governos e da indústria farmacêutica. Ela hoje é o farol que aponta para o futuro do controle da epidemia de HIV/Aids no planeta.
Acredito que a maior beleza dessa conferência está na oportunidade de colocar juntos os representantes da ciência e da sociedade civil mais afetada pelo HIV e outras infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) para entender e discutir os limites do conhecimento científico atual e os objetivos a serem perseguidos a partir dali, respeitando as prioridades determinadas por cada uma dessas duas partes.
Foi seguindo este roteiro que durante edições passadas da conferência pontos fundamentais da história do enfrentamento do HIV foram demarcados. Pontos que apesar de hoje serem uma unanimidade, nem sempre foram assim. Como exemplos, posso citar o uso de autotestes de HIV, a recomendação do tratamento antirretroviral para todas as pessoas que vivem com HIV/Aids e a ideia de que uma pessoa que vive com o HIV sob controle pelo tratamento tem zero risco de transmissão do seu vírus por via sexual.
A AIDS 2024 ocorreu na última semana de julho, na cidade de Munique, na Alemanha, e foi a maior de todas as edições já realizadas, com mais de 18.000 participantes.
Nesta última conferência ficou evidente que o farol do futuro agora está apontando para três temas de absoluta sintonia e apoio entre cientistas e sociedade civil: o uso de medicamentos injetáveis de longa duração para a PrEP, o uso da tecnologia para a ampliação do acesso à prevenção do HIV e outras ISTs, e o uso da DoxiPEP na prevenção de ISTs bacterianas.
Durante a conferência, a apresentação dos resultados detalhados do estudo PURPOSE-1, que testou a PrEP com Lenacapavir subcutâneo semestral em mulheres cisgênero africanas foi a mais aplaudida de todo o evento por obter 100% de proteção contra o HIV.
Somado à eficácia já conhecida do uso da PrEP com Cabotegravir intramuscular bimestral, esse resultado fez com que o acesso aos antirretrovirais de longa duração subisse para o topo das prioridades e reivindicações, se tornando um item obrigatório em qualquer roteiro de controle da epidemia mundial de HIV/Aids.
O relato do uso de máquinas automatizadas dispensadoras de insumos de testagem e prevenção do HIV e outras ISTs pela República da Moldávia, um país do leste europeu, foi outro momento ovacionado pela plateia da conferência. Diversos outros trabalhos mostraram que o uso de tecnologia, inteligência artificial e plataformas de teleatendimento podem derrubar barreiras de acesso à prevenção e contribuir significativamente no controle da epidemia.
Em iniciativa alinhada com esse tema, o município de São Paulo, já começou a utilizar máquinas estrategicamente colocadas fora dos serviços de saúde tradicionais para facilitar a entrega de autoteste de HIV e de profilaxias pré e pós-exposição ao HIV (PrEP e PEP).
Por fim, a prevenção biomédica contra ISTs bacterianas com o uso do antibiótico Doxiciclina (DoxiPEP e DoxiPrEP) foi outro assunto quente da AIDS 2024. Diversos trabalhos apontaram o alto interesse pelo método entre as populações mais vulneráveis, mas o ponto alto foi a apresentação de um estudo francês que avaliou detalhadamente os impactos do uso da DoxiPEP e não encontrou a temida seleção de resistência bacteriana aos antibióticos.
A Conferência Internacional de Aids há 4 décadas nos aponta os caminhos fundamentados pela ciência e chancelados pela sociedade civil para o controle das epidemias de HIV e outras ISTs. Se formos sensatos, atentos e espertos seguiremos os seus conselhos. Resta agora nós, sociedade e gestores de saúde, decidirmos quanto tempo demoraremos para fazer isso.
*Texto originalmente postado na seção VivaBem do UOL.