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Quem acompanha as novidades do tratamento do HIV/Aids já deve saber que estamos num daqueles momentos da história em que as coisas vão mudar. O mundo todo está entrando na era do “Menos é mais”.

Classicamente, desde o final da década de 1990 só era considerado correto um tratamento antirretroviral para o HIV/Aids que tivesse no mínimo 3 medicamentos diferentes. No entanto, desde 2019 uma série de estudos comprovou que, considerando os medicamentos antirretrovirais mais modernos, esse dogma está obsoleto.

Hoje sabemos que em algumas situações específicas é perfeitamente possível tratar o HIV de uma pessoa usando esquemas com apenas 2 drogas.

Desde que essa denominada “simplificação do tratamento do HIV” começou a ser assunto durante as consultas com meus pacientes, uma das frases que mais ouvi foi “Mas para que mexer num time que está ganhando? Não é melhor deixar o tratamento como está?”.

Para esses pacientes, o que sempre respondi ao longo desses 4 anos foi que de fato esse ditado tem lá sua sabedoria popular, mas que nesse caso especificamente da terapia antirretroviral, sem dúvidas mexer no time sim é uma ótima ideia. E o motivo é muito simples: se um medicamento potencialmente tóxico é dispensável, para que passar toda a vida tomando-o? Lembrem-se, menos é mais.

Querem um exemplo para ajudar na argumentação? Imaginem uma pessoa que consegue com facilidade dormir a noite inteira, tendo um sono de qualidade e reparador. Faria sentido ela tomar todos os dias um remédio para dormir?

Isso se torna ainda mais evidente se soubermos que esse medicamento pode provocar possíveis efeitos colaterais se tomado em longo prazo. No caso do tratamento antirretroviral simplificado, o medicamento Tenofovir retirado do esquema pode em alguns casos provocar alterações nos rins e nos ossos, especialmente se tomado por pessoas com mais idade e por um longo período de tempo.

Uma vez que, até que tenhamos uma cura segura e acessível para a infecção por HIV a recomendação é que a terapia antirretroviral seja tomada por todas as pessoas que vivem com esse vírus e por toda a sua vida, nada melhor que utilizar o esquema com menos drogas e menos efeito colaterais possível. Menos é mais.

O Brasil não só está em concordância com essa tendência mundial, como ainda por cima anunciou em 2023 que disponibilizaria esse esquema simplificado com duas drogas coformuladas em um único comprimido diário. Tal mudança vai facilitar bastante a adesão e qualidade de vida dos pacientes, sobretudo aqueles que já têm que tomar muitos comprimidos diariamente para o tratamento de outras doenças.

Desde setembro do ano passado o Ministério da Saúde vem anunciando a chegada da terapia dupla em comprimido único, mas agora a espera parece que acabou. Na última terça-feira, dia 9 de fevereiro, a pasta informou que completou a etapa de distribuição de 5.6 milhões de comprimidos do novo tratamento simplificado para todas as farmácias de antirretrovirais do país. A partir de agora, eles vão chegar às mãos dos pacientes.

Para organizar a migração para o novo comprimido único, foi determinado que os primeiros a retirarem o esquema novo a partir de janeiro de 2024 serão os pacientes com mais de 50 anos de idade e que já estavam usando o esquema simplificado em comprimidos separados desde antes de 30/11/2023. Além disso, são critérios para a migração a boa adesão ao tratamento e a manutenção da carga viral indetectável no seu último exame de rotina.

Com a chegada de mais comprimidos no novo esquema, o Ministério planeja conseguir disponibilizá-lo para o resto da população até o meio de 2024.

É importante, no entanto, não se confundir as coisas. No país, já estamos usando há mais de 10 anos outro esquema antirretroviral em comprimido único, mas de uma geração antiga contendo 3 drogas nele sendo uma delas o Tenofovir. O novo comprimido que acabou de chegar é o primeiro com terapia dupla que pode ser usado sozinho para tratar com eficácia e menos efeitos colaterais o HIV de um indivíduo.

Para saber se você é um candidato à migração para o tratamento antirretroviral simplificado e se poderá começar a usar o esquema que acaba de chegar às farmácias, é importante consultar o profissional da saúde que faz o seu acompanhamento do HIV.

Com essa mudança, o Brasil se moderniza e atualiza o tratamento oferecido às pessoas que vivem com HIV/Aids e pode garantir a elas uma vida mais saudável também no longo prazo.

Parabéns ao Ministério da Saúde, ao Departamento de HIV/Aids (DATHI) e ao SUS!

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