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Depois de passar bastante tempo em estado de constante apreensão em relação aos números de casos e óbitos decorrentes das epidemias de covid-19 e de monkeypox (ou varíola dos macacos), o Brasil teve nos últimos dois meses um período de relativa tranquilidade. Uma verdadeira trégua entre vírus e humanos. Trégua essa que pode estar chegando ao fim.
Uma vez que os dados epidemiológicos não mais assustavam a opinião pública, coronavírus e varíola abandonaram noticiários e rodas de conversa, permanecendo presentes apenas na memória recente da população e, de forma mais esporádica, nos serviços de saúde.
A covid-19, no entanto, já nos ensinou que os casos em uma epidemia são como a vida, que vêm em ondas, como o mar. Para quem não se lembra, depois da primeira onda em 2020, a variante beta do coronavírus causou uma segunda onda em 2021, e a ômicron, por fim, provocou a terceira, no início de 2022.
Eis que, nos Estados Unidos e em alguns países europeus, nas últimas semanas começou a ser identificado o aumento no número de casos de covid-19 nas localidades em que a nova variante BQ.1 do coronavírus foi identificada.
Proveniente de mutações genéticas na variante ômicron, a BQ.1 tem se mostrado diferente das suas ancestrais por conseguir escapar com maior habilidade da resposta imune induzida por meio de vacinação ou doença prévias. Até o momento, entretanto, isso na prática causou apenas o aumento no número de casos leves, não provocando formas mais graves da doença em indivíduos com a vacinação completa.
No Brasil, já foram identificados casos de transmissão local da variante BQ.1 nos estados do Amazonas, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo. Se o fenômeno observado nos outros países se repetir aqui, devemos ter aumento significativo no número diário de novos casos da doença nas próximas semanas.
Um dos sinais de que isso já está acontecendo é o crescimento na busca e na taxa de positividade de testes de covid-19 realizados nos últimos dias em farmácias brasileiras.
Embora mereça atenção, a constatação não deve ser motivo de desespero. O melhor a se fazer em um eventual cenário de quarta onda de covid-19 é o que já se recomenda há anos. Todos devemos estar atentos aos sintomas da doença e às recomendações de vacinação.
Em quadros de infecção respiratória precisamos suspeitar e testar para covid-19, e os casos confirmados devem permanecer isolados até o sétimo dia de sintomas. Tenho a impressão de que, nesse período de trégua, parte da população brasileira esqueceu tudo o que vivemos nos últimos 3 anos e decidiu decretar que todos os quadros respiratórios são \”apenas gripes\”.
Há algumas semanas, o CDC (Centro de Controle de Doenças) dos Estados Unidos publicou uma nota informando que a partir do ano que vem toda a população deverá receber uma dose anual de vacina contra covid-19. Por enquanto, aqui no Brasil toda a população deve ter aplicadas no braço quatro doses de vacina, mas grupos específicos, como as pessoas que vivem com HIV/Aids, já podem tomar a quinta dose.
Paralelamente à covid-19, o surto de monkeypox se iniciou no Brasil em junho na cidade de São Paulo e, depois de um pico em agosto, entramos em uma fase de visível queda na incidência.
Foram registrados no Brasil até agora 9.451 casos de monkeypox e 11 óbitos pela doença, nos classificando como 2o país no mundo com mais casos e, infelizmente, o campeão nas mortes.
Agora, pensem comigo: se não estamos vacinando para monkeypox e se o número não é grande o suficiente para dizermos que toda a população já se infectou, por que será que os casos caíram? Certamente as mudanças comportamentais têm um papel importante.
No entanto, basta que ocorra a desinibição desses comportamentos para que os casos voltem a crescer. Assim, desde o início de novembro a média móvel de incidência diária de monkeypox no país mais do que dobrou e segue em tendência de crescimento.
Por enquanto, as poucas doses de vacina contra monkeypox compradas pelo Brasil ainda não têm um destino certo, além do uso em pesquisas clínicas. Com a mudança no Ministério da Saúde, esperamos uma postura mais proativa em relação às campanhas de vacinação.
Ainda que já existam vacinas para os dois vírus, a reinfecção é algo comum para o primeiro e ainda existe no Brasil um gigantesco contingente de pessoas suscetíveis ao segundo.
Conhecer os sintomas dessas doenças e continuar suspeitando desses diagnósticos é fundamental para que se possa testar e notificar os casos, dando uma dimensão real da situação epidemiológica no país.
A atual sensação de \”apertem os cintos\” não é infundada. Talvez estejamos saindo nas próximas semanas do período de relativa calmaria. Se for esse o caso, precisamos estar preparados, atentos e fortes, diante desse indo e vindo infinito de epidemias.

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