Relacionamento monogâmico não é o melhor método de prevenção de ISTs

Relacionamento monogâmico não é o melhor método de prevenção de ISTs

Na última semana, em um almoço com uma amiga, eu me convenci de que ainda temos um longo caminho de educação em saúde a percorrer no Brasil. Especialmente entre a população heterossexual.

Ao longo da conversa, entre uma garfada e outra, vivenciei uma verdadeira pesquisa de campo sobre como a população entende a prevenção do HIV e de outras ISTs (infecções sexualmente transmissíveis).

O papo surgiu quando uma amiga me contou que há alguns meses está saindo com um rapaz e que, apesar de estar usando um DIU (Dispositivo intrauterino) como anticoncepcional, estava preocupado. Por motivo de paixão, estava deixando de usar o preservativo em algumas das relações sexuais com seu parceiro.

Até aí, eu acompanhava o papo só ouvindo. Mas tudo mudou quando ela me mandou:

- Amigo, estou pensando em propor logo a monogamia, para eu poder ficar seguro e tranquilo em relação aos ISTs.

Este foi o primeiro momento em que eu me espantei ao constatar que, no Brasil em pleno 2025, até mesmo para uma pessoa pós-graduada, o relacionamento ainda é o primeiro método de prevenção da lista.

Não deixei de sorrir. Mas, a partir daí, comecei a explicar de modo didático o conceito de Prevenção Combinada, cuja definição pelo Ministério da Saúde é:

"A Prevenção Combinada associa diferentes estratégias de prevenção, numa perspectiva voltada para a saúde integral das pessoas. A proposta básica é que a prevenção deve considerar as especificidades dos sujeitos e dos seus contextos, as características individuais e o momento de vida de cada pessoa."

Entendido isso, desenhei para ela o tamanho do problema que existe em presumir que iniciar um relacionamento será sempre o melhor método de prevenção para um casal. É verdade que em alguns casos até pode ser, mas nem sempre será.

Digo isso pois, para que de fato a proposta da monogamia funcione como tal, é necessário que o casal converse abertamente sobre questões espinhosas tais como a fidelidade, e que se estabeleçam acordos que sejam realistas e factíveis para os dois.

Além disso, para que essa fórmula funcione, é preciso adicionar uma boa quantidade de confiança na parceria.

Infelizmente, ingredientes como confiança, sinceridade e maturidade nem sempre estão disponíveis em abundância em relacionamentos jovens e recentes. O que costumamos encontrar de sobra neles é a paixão, o que, junto com o tesão, está na lista das principais causas em todo o mundo para o não uso adequado do preservativo nas relações sexuais.

Novamente parafraseando a Prevenção Combinada, “ os melhores métodos de prevenção para cada indivíduo e para cada casal são aqueles que são usados de forma consistente e com boa adesão”. Isso também vale para a anticoncepção, no entanto, diferentemente da prevenção de ISTs, nesse tema a autonomia e poder de escolha do método anticoncepcional já é muito mais bem assimilado pela população.

Quando perguntei se minha amiga não descobriu que a PrEP (Profilaxia Pré-Exposição ao HIV) poderia ajudar no seu caso, me espantei pela segunda vez:

  • Meus amigos me disseram que isso é para gays e pessoas que se expõem muito, disse ela.

Na verdade, depois do choque e da interrupção inicial, a população gay foi a que mais se apropriou da PrEP, sendo responsável por mais de 80% das retiradas da PrEP pelo Sistema Único de Saúde (SUS), segundo o Painel PrEP do Ministério da Saúde. Não é à toa que nas localidades com acesso ampliado à PrEP é nesse grupo em que se verifica uma maior queda de novos casos de HIV.

Moldado num pensamento típico do patriarcado machista, o aprendizado das mulheres cisgênero heterossexuais sobre a prevenção do HIV e outras ISTs ainda tem muito o que avançar. Mas não sou pessimista em relação a isso, caminho parecido já foi percorrido pela anticoncepção.

Vejam que minha amiga não titubeou em colocar o DIU e nem mesmo quis saber a opinião do parceiro sobre isso, mas ainda hesita em buscar outros métodos de prevenção contra o HIV.

Heterossexuais, sigam o modelo dos homens gays e abram suas cabeças para a Prevenção Combinada do HIV e de outras ISTs. Garanto que vocês não vão se arrepender.

*Texto originalmente postado na seção VivaBem do UOL.

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