Ginecologistas e urologistas deveriam saber mais sobre HIV e ISTs
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Quando tem algum problema de saúde sexual, com qual profissional você pensa em buscar atendimento? No Brasil, os médicos e médicas ginecologistas e urologistas são de longe sempre os mais lembrados.
Mas se essa demanda for relacionada à prevenção ou o tratamento de HIV e outras infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), será que estes profissionais estão adequadamente capacitados para realizar o atendimento?
Se não estão, deveriam estar.
De fato, por serem os especialistas que cuidam de problemas de saúde associados aos órgãos genitais internos e externos, estes profissionais são a porta de entrada no sistema de saúde para muitos pacientes com ISTs.
Quando a queixa do paciente em questão envolve algo como disfunção erétil ou dispareunia (sensação de dor vaginal durante o ato sexual), sem dúvidas os profissionais mais aptos para fazer o diagnóstico correto e indicar o tratamento adequado seriam respectivamente o urologista e o ginecologista.
Acontece que, ao longo da última década, o mundo do HIV e das outras ISTs deixou de se resumir no “use camisinha” e tem passado por uma revolução tão grande que nem mesmo todos os infectologistas estão conseguindo acompanhar.
Um enorme volume de pesquisas clínicas e de conhecimento foi produzido sobre esse tema e, com isso, as condutas propostas para prevenção e tratamento do HIV e das ISTs se modificaram. Se um profissional não buscar ativamente se atualizar, rapidamente ficará para trás, parado no tempo recomendando uma conduta errada.
Por serem uma importante porta de chegada para pessoas com ISTs (ou simplesmente vulneráveis a elas), ginecologistas e urologistas são profissionais de fundamental importância dentro do sistema de saúde. E por isso, não podem estar por fora destas atualizações.
Como médico infectologista, infelizmente eu presencio com frequência histórias em que pacientes acabaram como vítimas de profissionais de saúde desatualizados sobre este tema. Exemplos comuns disso são o tratamento para gonorreia com antibióticos que foram contraindicados na década passada ou o completo desconhecimento da existência das Profilaxias Pré e Pós-Exposição ao HIV (PrEP e PEP).
Isso quando não acham que pessoas que usam PrEP já estão infectadas com HIV.
Somado a isso, são comuns as situações em que ocorre falta de acolhimento das diversidades sexuais e a presunção equivocada da hétero-cisgeneridade para todo e qualquer paciente atendido.
Diante desse cenário, me preocupo por identificar que dessa maneira, muitas oportunidades são perdidas quando o atendimento é feito por um profissional desatualizado.
Uma pessoa com sintomas de uma IST já precisa enfrentar o julgamento de toda a sociedade, como se estivesse sendo punida por um erro que cometeu. Se no atendimento médico, o profissional ainda por cima prescrever o tratamento errado, não testar para as demais ISTs e nem for capaz de abordar o tema da prevenção de forma acolhedora, esse paciente não só não vai ter sua IST resolvida, como também não vai voltar a buscar o serviço de saúde.
Quando levanto aqui esta discussão, não desejo que ginecologistas e urologistas saibam tudo sobre todos os assuntos, e nem mesmo que comecem já a prescrever PrEP e PEP. Mas que saibam aproveitar as oportunidades de uma consulta de IST, fazendo o rastreamento adequado das outras ISTs, o tratamento correto daquela diagnosticada e identificando os indivíduos que se beneficiariam de métodos adicionais de prevenção para poder encaminhá-los.
O Ministério da Saúde tem uma vasta biblioteca de conteúdos e protocolos sobre esses temas em seu site (www.gov.br/aids), todos eles disponibilizados de forma gratuita.
Por isso, não importa qual a sua profissão nem sua especialidade, se você for um profissional que atende pessoas vulneráveis às ISTs, se atualize e ajude o Brasil a não perder oportunidades no controle dessas infecções.
*Texto originalmente postado na seção VivaBem do UOL.