Boletim Epidemiológico de HIV é um retrato da desigualdade da nação

Boletim Epidemiológico de HIV é um retrato da desigualdade da nação

Chegou o Dezembro Vermelho, o mês de conscientização sobre a Prevenção e o tratamento do HIV e das outras infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). E junto com ele o Boletim Epidemiológico de HIV/AIDS do Ministério da Saúde.

Gosto de dizer que o documento não traz informações relevantes apenas para quem se interessa por essa epidemia e pelo seu enfrentamento, mas que ele é um banquete para quem se interessa pela sociedade brasileira.

Publicado anualmente sempre no início de dezembro, o boletim nos traz dados atualizados sobre os novos casos de HIV transmitidos por todas as diferentes vias, sobre os casos de Aids, e sobre os óbitos em decorrência dessa infecção, todos eles registrados no ano anterior à publicação.

Sabendo que em qualquer parte do mundo a epidemia de HIV circula entre os subgrupos marginalizados socialmente e do acesso à saúde, o boletim epidemiológico de uma nação é uma verdadeira radiografia das suas desigualdades sociais.

Há países em que os casos dessa infecção se concentram entre refugiados que imigraram em busca de asilo político. Em outros, os casos ocorrem em maior frequência entre dependentes químicos e usuários de drogas. No Brasil, os números do boletim revelam duas das nossas maiores fraturas: a racial e a sexual.

Segundo o documento, no ano de 2022 em todo o país foram registrados 43.403 novos casos de infecção por HIV. Em comparação com 2020, esse número aumentou nacionalmente cerca de 17%, resultado do crescimento da incidência em todos os estados, exceto o Distrito Federal e Rondônia. No entanto, há de se ponderar que a pandemia de Covid-19 pode ter prejudicado os diagnósticos e as notificações de HIV em 2020.

No que diz respeito à raça, até 2013 a maioria dos novos casos de infecção por HIV no Brasil era registrada entre pessoas brancas. Desde então, o cenário se inverteu. Houve nos dois sexos uma queda dos casos nesse subgrupo com concomitante aumento entre pretos e pardos, que, em 2022, correspondem juntos a 63% dos casos.

Na última década, o mesmo fenômeno racial de “escurecimento” da epidemia de HIV/Aids foi também visualizado nos dados referentes aos casos em que a infecção progrediu para Aids e na curva de óbitos em decorrência da Aids, especialmente entre indivíduos pardos.

Em outras palavras, as intervenções de saúde pública para o HIV/Aids tiveram mais efeito entre brancos do que entre negros.

Já em relação ao sexo, mais de 70% dos casos de infecção por HIV continuam ocorrendo entre homens, sendo a maioria deles transmitidos por via sexual. Entre aqueles menores de 40 anos de idade, há uma tendência mantida de aumento dos casos entre homens gays e bissexuais, fazendo com que em 2022, entre homens com menos de 30 anos, mais de 70% dos novos casos registrados foram entre homens que faziam sexo com outros homens.

Entre as mulheres com diagnóstico recente de infecção por HIV em 2022, ainda que sejam menos numerosas que os homens, mais de 78% dos casos ocorreram durante a idade reprodutiva de 15 a 49 anos. Devido ao risco de transmissão vertical do HIV para a criança, caso a infecção não seja diagnosticada e tratada, esse dado alerta para a importância do empoderamento feminino na escolha de métodos eficazes de prevenção do HIV e da testagem para essa infecção no pré-natal.

Com o objetivo de chamar atenção para a invisibilização da epidemia feminina de HIV/Aids no Brasil, o Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas (MNCP) lançou essa semana a campanha Nunca Mais, alertando que o controle do HIV deve obrigatoriamente passar também pelo enfrentamento das desigualdades sociais e das contradições da nossa nação.

De fato, se o HIV não causa uma doença mais grave entre negros, gays e mulheres, os dados do Boletim Epidemiológico de HIV/Aids são apenas a evidência de que é nos elos fracos ou menos poderosos da sociedade que essa epidemia sempre causará os maiores impactos negativos em saúde pública.

Por fim, garanto que se esses grupos populacionais tivessem como garantir para eles o acesso ao atendimento de saúde de qualidade em prevenção, testagem e tratamento do HIV, o Brasil já estaria muito mais perto do controle dessa epidemia.

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